STJ: o Tribunal da Cidadania reconhece que o tratamento das cardiopatias graves não afasta o Direito à isenção do Imposto de Renda

Em julgamento recente, a Corte Superior novamente concedeu a isenção para uma contribuinte após o tratamento adequado e eficaz da cardiopatia grave.
A Súmula 627 do STJ e a legislação tributária foram os fundamentos decisivos, em caso que somente foi resolvido após a interposição de três recursos ao Tribunal da Cidadania.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou seu papel como o “Tribunal da Cidadania” ao proteger os direitos dos jurisdicionados. Uma decisão recente trouxe luz às garantias jurídicas de pessoas diagnosticadas com cardiopatia grave, reconhecendo que a gravidade da condição não pode ser ignorada, mesmo quando houve tratamento eficaz.
A atuação do STJ no EDcl no AgInt no REsp 2118943/RS, no qual houve a necessidade de três recursos dirigidos ao Tribunal, evidencia sua função social e humanitária. Isso porque, embora as questões processuais sejam complexas e haja na legislação nacional restrições severas à admissibilidade dos recursos direcionados ao STJ, o Tribunal demonstrou, mais uma vez, que é possível garantir direitos fundamentais sem abrir mão da segurança jurídica.
1. O julgamento do EDcl no AgInt no REsp 2118943/RS

No julgamento do EDcl no AgInt no REsp 2118943/RS, o STJ analisou o caso de uma contribuinte diagnosticada com cardiopatia grave que buscava o reconhecimento da isenção do Imposto de Renda. A contribuinte apresentou documentação médica evidenciando a gravidade da condição, ainda que estivesse em tratamento para controle da doença.
Apesar das limitações impostas pela natureza do recurso, já que constam na legislação nacional restrições aos recursos destinados ao STJ, que restringem muitíssimo a análise de questões fáticas, o Tribunal reafirmou que o direito à isenção à isenção do Imposto de Renda prevista na Lei 7.713/1988 não pode ser negado com base na possibilidade de convivência com a condição ou nos avanços médicos que estabilizam os sintomas, valorizando a dignidade do paciente e o impacto prático da enfermidade.
Ao conceder a isenção, o STJ destacou que o diagnóstico de cardiopatia grave, por si só, já é suficiente para enquadrar o paciente nos critérios previstos na legislação tributária, independentemente de tratamentos disponíveis. Essa decisão emblemática reforça a função do STJ como Tribunal da Cidadania, priorizando a justiça social e a efetividade dos direitos fundamentais.
As decisões constantes no processo são as seguintes:
- Sentença de primeiro grau: Reconheceu a isenção para parte do período solicitado pela contribuinte, exceto no período em que a cardiopatia foi considerada controlada devido a um procedimento cirúrgico.
- TRF4: Negou o pedido da recorrente argumentando que devido a redução da gravidade da doença, após o tratamento, não haveria direito à isenção.
- Recurso ao STJ: o Tribunal estabeleceu que a alteração da gravidade da cardiopatia não restringe o direito à isenção, já que a contemporaneidade dos sintomas não é exigida.
Na síntese do processo, a Ministra Maria Thereza de Assis Moura esclareceu que a parte recorrente postulou a isenção do imposto de renda sobre os proventos da pensão no período de maio de 2017 a fevereiro de 2019; porém, o Juiz de primeiro grau limitou o direito à isenção do imposto de renda ao período de maio a julho de 2017, que é o período anterior ao procedimento cirúrgico realizado pela contribuinte. Ainda conforme destaca a Relatora, o TRF4 decidiu que a isenção deveria ficar restrita ao período no qual a recorrente era portadora de cardiopatia grave, afastando o benefício após a realização de procedimento cirúrgico realizado para reduzir o problema. Em seguida, a Ministra reconheceu estarem equivocadas as decisões do Juiz e do TRF4, porque o tratamento (neste caso, mediante cirurgia) não afasta o Direito à isenção por cardiopatia grave postulado pela pensionista.
Assim, quanto ao ponto central do debate, o Advogado tributarista Fabrício Klein, que dirige o escritório que leva seu nome e atua de forma especializada nesta área em nível nacional, destaca que “A controvérsia deste caso se deu em torno da exigência de contemporaneidade dos sintomas da cardiopatia grave para a concessão ou manutenção da isenção tributária. Este não é um assunto novo e a jurisprudência consolidada do STJ já está consolidada na Súmula 627 da Corte, a qual estabelece que a isenção não depende da contemporaneidade dos sintomas nem da recidiva da enfermidade.”
Ou seja: “O tratamento eficaz e adequado de uma cardiopatia não afasta o Direito à isenção do Imposto de Renda prevista na legislação em favor de militares inativos, aposentados, pensionistas e beneficiários de previdência privada” acrescenta o Dr Fabrício.
2. Cardiopatia Grave: muito além de um diagnóstico médico
A cardiopatia grave não é apenas uma condição de saúde; é um desafio que afeta cada aspecto da vida do paciente. Muitas vezes, ela compromete a capacidade de trabalho, a qualidade de vida e a segurança financeira de quem enfrenta essa enfermidade. Do ponto de vista jurídico, esse diagnóstico carrega implicações importantes: ele pode assegurar benefícios previdenciários, como aposentadoria por invalidez e auxílio-doença, além de isenções tributárias essenciais para aliviar o peso financeiro.
O STJ, em sua missão de garantir direitos fundamentais, reconhece a complexidade dessa condição e a necessidade de uma análise minuciosa em cada caso.
Diante disso, o STJ, sem deixar de observar as restrições processuais que limitam a revisão de provas e fatos, equilibra o rigor processual com a necessidade de atender às demandas legítimas dos cidadãos.
Especificamente no EDcl no AgInt no REsp 2118943/RS, o STJ acolheu os embargos de declaração no AgInt no REsp e deu provimento ao recurso especial, com base nos seguintes fundamentos:
- A decisão anterior do Tribunal (TR4) contrariou a Súmula 627 e os precedentes do STJ, que reconhecem que o direito à isenção não está vinculado à gravidade do quadro clínico no momento da fruição do benefício.
- A jurisprudência pacificada do Tribunal é clara ao afirmar que a isenção do Imposto de Renda, nos termos do artigo 6º, XIV, da Lei nº 7.713/1988, independe da presença atual dos sintomas ou da recidiva da moléstia grave;
- O propósito da norma é reduzir as dificuldades financeiras do contribuinte que enfrenta ou enfrentou doenças graves, dado que os gastos relacionados à saúde podem ser contínuos, mesmo após tratamentos bem-sucedidos;
Em sua manifestação, a Ministra Relatora, Maria Thereza de Assis Moura, bem estabeleceu que a controvérsia do caso consiste em definir se a alteração da gravidade da doença (ou seja: da cardiopatia grave, em virtude de tratamento) poderia afastar o direito à isenção e, assim, o STJ reafirmou o entendimento constante em precedentes relevantes, reforçando que a isenção tributária visa a proteger a dignidade do contribuinte e a exigência de contemporaneidade dos sintomas é incompatível com o objetivo da norma e com a Súmula 627 da Corte.
3. STJ: O Tribunal da Cidadania e o compromisso com a Justiça
A atuação do STJ em casos como este evidencia sua função social e humanitária. Embora as questões processuais sejam complexas, o tribunal demonstra que é possível garantir direitos fundamentais sem abrir mão da segurança jurídica.
Aliás, é muito importante recordar que o STJ constitui uma das instâncias mais relevantes do sistema judiciário brasileiro. Contudo, muitos desconhecem as restrições e peculiaridades que permeiam a admissibilidade (isto é: a análise) de recursos perante esta Corte.
Um dos maiores desafios para advogados é ultrapassar as barreiras de admissibilidade impostas pela legislação e observadas com o devido rigor pelo STJ, de tal modo que grande parte dos recursos deixa de ser analisada por não atender às exigências processuais, como a ausência de prequestionamento ou a pretensão de rediscutir fatos e provas. Isso ocorre porque, com base na Súmula 7 do STJ, é vedado reexaminar provas nos Recursos Especiais. Isso significa que a análise é restrita ao que foi debatido e decidido pelas instâncias inferiores. Por isso, é essencial que os argumentos fáticos e jurídicos sejam apresentados de forma clara e robusta desde as fases iniciais do processo.
Porém, também vale recordar que o STJ é conhecido como o “Tribunal da Cidadania” por sua atuação em defesa dos direitos fundamentais e sua sensibilidade para lidar com as necessidades das pessoas em situações de vulnerabilidade. Essa denominação reflete seu compromisso em oferecer justiça acessível e efetiva para todos, notadamente em casos que envolvem condições de saúde graves. Mais do que aplicar a Lei, o Tribunal busca compreender a realidade dos jurisdicionados, garantindo que suas decisões atendam ao princípio da dignidade da pessoa humana.
E a atuação do STJ em casos como o EDcl no AgInt no REsp 2118943/RS evidencia sua função social e humanitária. Embora as questões processuais sejam complexas, o Tribunal demonstra que é possível garantir direitos fundamentais sem abrir mão da segurança jurídica.
Para advogados e jurisdicionados, fica o aprendizado: casos envolvendo condições graves exigem uma abordagem que combine sensibilidade e técnica. Estar atento à jurisprudência e garantir que os processos contenham todos os elementos necessários é fundamental para aumentar as chances de sucesso.
Conclusão
O reconhecimento da cardiopatia grave pelo STJ, num caso em que houve tratamento eficaz da enfermidade e foram necessários três recursos à Corte, vai além de uma simples decisão judicial. Ele representa um compromisso com a proteção da cidadania e com a dignidade humana. O caso reflete como a união entre documentação médica de qualidade, estratégia jurídica e sensibilidade do Tribunal pode transformar vidas.
Para quem enfrenta desafios semelhantes, a mensagem é clara: seus direitos merecem ser reconhecidos, e a Justiça está ao alcance daqueles que buscam exercer seus Direitos.