A isenção do Imposto de Renda dos beneficiários de Previdência Privada e a inconstitucionalidade da Solução de Consulta 179/2023, da Receita Federal
Em virtude dos princípios e direitos fundamentais constantes na Constituição Federal, é nitidamente inconstitucional a restrição à isenção legalmente assegurada aos contribuintes que têm previdência privada PGBL e diagnóstico de doenças como câncer e cardiopatias graves.
A Solução de Consulta 179, de 16 de agosto de 2023, foi expedida pela Receita Federal do Brasil (RFB) e trouxe uma interpretação restritiva da isenção tributária prevista no Art. 6º XIV da Lei 7.713/1988.
O Art. 6º XIV da Lei 7.713/1988 assegura a isenção do Imposto de Renda aos contribuintes que recebem qualquer tipo de proventos previdenciários – assim abarcando os beneficiários de planos de previdência privada das modalidades PGBL e VGBL – com histórico de doenças como câncer, AIDS – Inclusive, quando haja HIV assintomático, cegueira – inclusive, monocular – e cardiopatias graves – como infarto, implante de stents ou de marca-passo. Porém, a SC 179 estipulou que “Na hipótese de complementação de aposentadoria, a isenção prevista no inciso XIV do art. 6º da Lei nº 7.713, de 1988, somente se aplica aos rendimentos recebidos a partir do mês da concessão da aposentadoria pela previdência oficial.“
Ou seja: a Solução de Consulta – cuja observância é obrigatória pelos agentes públicos – impede os beneficiários de previdência privada que não sejam previamente aposentados pelo INSS de usufruir da isenção legalmente assegurada. Contudo, esta interpretação deve ser analisada à luz dos princípios constitucionais, em especial o princípio da isonomia e os direitos fundamentais, para se avaliar sua constitucionalidade.
Saiba mais sobre os princípios constitucionais e a legislação tributária
No contexto normativo brasileiro, a Constituição Federal é a norma de maior hierarquia e, também, de maior relevância. Assim, todos as demais normas – denominadas infraconstitucionais e que podem, como as Soluções de Consulta, serem também infralegais, que são as normas inferiores às Leis – devem se alinhar integralmente ao conteúdo da Constituição.
Portanto, é importante ter presente que os princípios constitucionais – logicamente, constantes na Constituição Federal – são os fundamentos do ordenamento jurídico brasileiro, norteando a aplicação e a interpretação das normas. Entre esses princípios, o princípio da isonomia, previsto no art. 5º da Constituição Federal de 1988, destaca-se por sua relevância no campo do direito tributário, assegurando que todos sejam tratados de maneira igualitária perante a lei, sem distinções arbitrárias ou despidas de uma distinção que justifique tratar iguais de forma desigual.
Assim sendo, a legislação tributária – como toda legislação infraconstitucional – deve ser interpretada de maneira que respeite os valores constitucionais que orientam o sistema jurídico, como a justiça fiscal e a proteção dos direitos fundamentais dos contribuintes. Nesse sentido, as isenções tributárias previstas em lei representam uma manifestação concreta da aplicação desses princípios, garantindo que determinados contribuintes, em razão de uma situação específica, como o diagnóstico de certas enfermidades, recebam um tratamento diferenciado e mais benéfico, como forma de promover a igualdade substancial.
A Solução de Consulta Cosit nº 179/2023 e a Interpretação Restritiva
A Solução de Consulta Cosit nº 179/2023 interpreta de forma restritiva a isenção prevista no inciso XIV do art. 6º da Lei nº 7.713/1988, que trata da isenção do Imposto de Renda para os proventos de aposentadoria ou pensão, quando decorrentes de doenças graves. A referida Solução estipula que essa isenção somente se aplica aos rendimentos recebidos a partir do mês da concessão da aposentadoria pela previdência oficial, excluindo, assim, a possibilidade de aplicação retroativa da isenção aos valores recebidos antes dessa concessão e, ainda mais grave, impedindo que os contribuintes que recebem proventos de previdência privada mas não têm vínculo com o INSS se beneficiem da isenção legalmente prevista.
Essa interpretação restritiva imposta pela Receita Federal é nitidamente contrária ao princípio da isonomia e a própria lógica do sistema tributário, uma vez que ela cria uma diferenciação injustificada entre contribuintes que são tratados de maneira desigual pelo simples fato de não integrarem o Regime Geral de Previdência Social.
A inconstitucionalidade decorrente da violação do princípio da isonomia
O princípio da isonomia tanto impõe que os contribuintes em situações iguais sejam tratados de forma igual quanto impede as autoridades públicas de tratar contribuintes em situações equivalentes de forma desigual. Ou seja: contribuintes em situações desiguais recebam tratamento diferenciado na medida de suas desigualdades.
Especificamente no caso da isenção prevista na Lei nº 7.713/1988, o objetivo é assegurar que pessoas acometidas por doenças graves, cujos rendimentos provêm de aposentadoria ou pensão – tanto do Regime Geral quanto de quaisquer outras fontes pagadoras – sejam desoneradas da carga tributária em razão de sua condição de saúde. Porém, ao limitar a aplicação da isenção apenas aos rendimentos recebidos após a concessão da aposentadoria pelo INSS, a Solução de Consulta Cosit nº 179/2023 acarreta uma distinção injustificável entre contribuintes que se encontram na mesma condição de saúde, mas que receberam rendimentos antes da obtenção da aposentadoria do INSS e, como dito acima, para aqueles que não têm vínculo com a Autarquia previdenciária. Esta distinção – é importante repetir – não encontra respaldo na legislação ou nos princípios constitucionais; pelo contrário, configura uma violação direta à isonomia que acarreta a inconstitucionalidade da SC 179.
Além disso, essa restrição desconsidera o fato de que a doença grave, razão da concessão da isenção, não necessariamente surge com a aposentadoria, podendo inclusive ser preexistente e podendo já ter gerado impactos significativos na vida do contribuinte. Logo, ao negar a isenção aos proventos anteriores à aposentadoria pelo INSS, a Receita Federal penaliza indevidamente aqueles que, em virtude de sua condição de saúde, necessitam de maior proteção.
Impactos nos Direitos fundamentais
A Solução de Consulta Cosit nº 179/2023 também atinge diretamente os direitos fundamentais dos contribuintes, especialmente no que tange à dignidade da pessoa humana e à proteção da saúde. Por exemplo, porque a isenção prevista no inciso XIV do art. 6º da Lei nº 7.713/1988 visa justamente assegurar um mínimo existencial para aqueles que, acometidos por doenças graves, precisam destinar seus recursos financeiros ao tratamento e manutenção de sua saúde.
Ao limitar a aplicação da isenção, a Receita Federal impõe uma carga tributária desproporcional sobre esses contribuintes, agravando sua situação financeira. Essa restrição, portanto, compromete a dignidade desses indivíduos, contrariando os direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal.
A necessidade de revisão judicial
Diante da nítida violação ao princípio da isonomia e aos direitos fundamentais dos contribuintes, a Solução de Consulta Cosit nº 179/2023 deve ser submetida ao crivo do Poder Judiciário, que tem o papel de garantir que as normas infraconstitucionais e os atos da administração pública estejam em conformidade com os princípios constitucionais.
O Poder Judiciário tem a prerrogativa de analisar a questão e declarar a inconstitucionalidade da interpretação restritiva adotada pela Receita Federal, restaurando a aplicação justa e equânime da isenção prevista na Lei nº 7.713/1988. Essa intervenção é essencial para garantir que o sistema tributário respeite a dignidade humana e promova a justiça fiscal, conforme estabelecido pela Constituição.
Considerações Finais
A Solução de Consulta Cosit nº 179, de 16 de agosto de 2023, ao impor uma interpretação restritiva à isenção do Imposto de Renda prevista no inciso XIV do art. 6º da Lei nº 7.713/1988, viola o princípio da isonomia e compromete os direitos fundamentais dos contribuintes.
A restrição é inconstitucional, pois cria uma diferenciação arbitrária entre contribuintes que se encontram em situações idênticas, mas que, por questões meramente formais, são tratados de maneira desigual pela administração tributária. Portanto, é necessário submeter a questão ao Poder Judiciário, para assim corrigir essa distorção e assegurar a aplicação justa e conforme aos princípios constitucionais da referida isenção.